A favor da legalização das drogas
Jefferson Peres
A legalização das drogas como única forma de vencer o narcotráfico. A idéia é defendida pelo senador Jefferson Peres, líder do Partido Democrático Trabalhista (PDT) no Senado. Para ele, os ganhos sociais e econômicos seriam muitos, como a redução da violência. No entanto, ressalta que a medida não pode ser adotada pelo Brasil de forma isolada, mas como parte de um esforço internacional. O senador abre o debate e traz um olhar mais inclusivo para o usuário de drogas
Débora Dias
da Redação
Cristiane Parente
Especial para O POVO
23 Agosto 2004 03h54min
A postura é polêmica e de coragem. Mas principalmente, chama à reflexão sobre um tema árduo: a legalização das drogas como forma de combate ao narcotráfico. De forma racional e serena, o senador Jefferson Peres (PDT/AM) explica os fundamentos de uma idéia com pouco apelo popular. O raciocínio parte da constatação: ''Enquanto houver consumidores de drogas haverá fornecedores. Sempre houve e haverá na história da humanidade consumidores de drogas. Logo, enquanto houver proibição haverá narcotráfico''.
Para ele, os ganhos com a medida seriam muitos. Desde redução da violência e dos gastos do Estado com a repressão ao aumento da arrecadação de impostos com o comércio que passaria a ser permitido, apesar de não incentivado. Segundo Peres, outro impacto importante seria o de reduzir a corrupção, presente em parte de instituições como a polícia e o Judiciário.
Ele lembra que o consumo e o tráfico de drogas são problemas distintos, mas relacionados. O uso seria legal, já a publicidade de qualquer dessas substâncias proibida, assim como a de drogas hoje lícitas, como a cerveja. Um desafio que o senador reconhece ser difícil de enfrentar.
Peres ressalta, no entanto, que a legalização não pode ser tomada de forma isolada pelo Brasil, mas ser fruto de um consenso internacional, um acordo entre muitas nações.
Em um primeiro momento, o discurso pró-legalização pode causar surpresa vindo de um senador. Mas só em um primeiro momento. Por isso mesmo ele se antecipa: ''Não advogo em causa própria. Não uso drogas, nem tenho problemas com elas na minha família. Sou contra as drogas.'
Aos 72 anos, o líder do Partido Democrático Trabalhista no Senado, reconhecido por sua disciplina e coerência, fala com serenidade sobre o tema, partindo sempre do princípio da liberdade individual. Mas sabe o quanto ele é árduo e desabafa: ''Eu perco votos, perco mandato, mas não vou deixar de dizer isso''. Ao contrário, quer provocar a discussão. E, principalmente, defende um novo olhar da sociedade para o usuário de drogas, longe do preconceito e próximo da cidadania.
A entrevista, exclusiva para O POVO, foi realizada no gabinete do senador, em Brasília. Mas as idéias expostas, já foram tema central de três pronunciamentos no Senado, no ano passado e de palestra no seminário "Mídia e Drogas - O perfil do usuário na imprensa brasileira". O evento foi realizado pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi) e pelo Programa Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde, nos dias 16 e 17 de agosto em Brasília.
Senador Jefferson Peres
O POVO - O senhor é praticamente uma voz isolada no Congresso Nacional por defender a legalização das drogas e o debate em torno desse assunto. Por que o senhor é a favor da legalização das drogas?
Jefferson Peres - Em primeiro lugar eu devo dizer que sou contra as drogas. Tenho horror às drogas, nunca fui usuário, não tenho problemas na minha família com drogas. Não estou, portanto, agindo em causa própria. Mas lamento que o tema seja tabu. Poucas pessoas ousam defender a legalização das drogas. É tabu porque quem o faz fica estigmatizado, como se fosse defensor das drogas. Legalizar entorpecentes é absurdo, houve uma demonização do tema que evita a discussão e isso é péssimo. A nossa sociedade, como qualquer sociedade democrática, pode discutir tudo. E com racionalidade, sem ''emocionalismo'', para se tentar a melhor solução. Sou contra as drogas, mas a favor da legalização, porque acho que é o único meio para se acabar com esse câncer em fase de metástase que se chama narcotráfico. Como disse, por não haver debate, a sociedade não consegue ver com clareza que existem dois problemas diferentes, mas relacionados. Um é o consumo de drogas, uma doença social crônica, incurável, mas administrável. A sociedade tem que aprender a conviver com isso. Gosto de usar essa metáfora. Do outro lado, temos uma doença terrível, maligna, mas curável, que é o narcotráfico. Só existe um remédio para a cura que é acabar com a proibição. Não existe outro remédio. Enquanto houver consumidores de drogas haverá fornecedores de drogas, primeira premissa. Segunda premissa: sempre houve na história da humanidade consumidores de drogas e sempre haverá. Logo, enquanto houver proibição haverá narcotráfico.
O POVO - Quais os principais argumentos contrários a essa idéia?
Jefferson Peres - O principal é de ordem moral. De moralismo. Como uma coisa horrorosa, o consumo de drogas, pode ser legalizado? O País aceitar que empresas que produzam drogas e que pessoas consumam drogas sem ser reprimidas, isso é inadmissível, vai estimular o consumo de drogas... O segundo argumento é que haverá um grande aumento do consumo de drogas. Do ponto de vista moral e ético eu penso o contrário. Parto do princípio da liberdade individual. Toda pessoa adulta, veja bem, adulta, tem o direito de fazer o que quiser da sua vida. O Estado, poder público, não deve ter competência para impedir que uma pessoa adulta, ser humano livre, consciente, faça o que quiser da sua vida, inclusive consumir drogas. Pode parecer duro, mas eu acho que é isso mesmo. Se eu vir uma pessoa querendo se suicidar, eu humanitariamente vou tentar impedir que ela se suicide. Mas nem eu, nem o governo pode proibir que ela se suicide. É igual ao consumo de drogas. Há quem diga: eu preciso (de drogas), é do meu organismo, e vou consumir drogas. Agora, as conseqüências físicas, isso aí é problema dela. Eu acho uma violência contra a pessoa, seja quem for, ser proibida, inclusive pelo Estado, de consumir drogas. É básico o direito à felicidade. Está na declaração da Virgínia o direito do ser humano de buscar a felicidade. Mas consumir drogas faz alguém feliz? Felicidade é um estado de espírito. É feliz quem se sente feliz. Se você se sente assim em consumir drogas... Eu não me sentiria. Mas há quem se sinta, é um direito da pessoa.
O POVO - E quanto ao aumento do consumo com a legalização?
Jefferson Peres - Não acredito. Em primeiro lugar, nunca poderemos saber, porque não há estatísticas. Um dos pontos negativos da proibição é esse. Não há números confiáveis. Qual é o percentual de pessoas da sociedade brasileira que consomem drogas? Eu não sei. Nem pesquisas vão indicar isso, muitas pessoas escondem. Como é proibido, feio, as pessoas ficam apreensivas em estar entre os consumidores. Logo, vão dizer que não consomem. Nós não sabemos qual o percentual da população que consome. É uma hipótese, um chute dizer que se legalizar vão consumir mais. Por quê? Qual é o fundamento desse argumento? Hoje, quem quiser consumir droga consome. Primeiro quem usa sabe onde comprar e compra. Legalizada, quem quiser consumir vai saber onde comprar, mas vai comprar no comércio, farmácias, talvez. Seria a mesma coisa. Por que é que na legalização vai aumentar o consumo de drogas? Não sei, é uma hipótese a ser comprovada. Mas vamos admitir que levasse a um aumento do consumo. Isso seria um custo. Mas os benefícios gerados pela legalização seriam muito maior que um eventual aumento do consumo. Porque acabaria com o câncer do narcotráfico. Se produzida e vendida legalmente não há mais narcotráfico. E com o fim do narcotráfico se acabaria com todas as seqüelas, mazelas decorrentes dele como a violência. Estatísticas mostram que uma grande parte de crimes de homicídio é causada pelo narcotráfico. São as chacinas, queimas de arquivo, vingança para os delatores ou para os que não pagaram dívidas, os mulas que não recolheram o dinheiro e as brigas de quadrilha. Um grande percentual dos homicídios nas grandes cidades são provocados por narcotraficantes. Sem o narcotráfico, cairiam as taxas de homicídio, em primeiro lugar. Isso não é uma hipótese, é um fato. Segundo lugar: diminuiria o número de presidiários. Boa parte da população carcerária é constituída de narcotraficantes presos, principalmente os fichinhas, os mulas, aqueles moleques que levam a droga para vender. Ou são homicidas que cometeram crimes porque são ligados ao narcotráfico. Então a população carcerária cairia. Terceiro, os territórios ocupados pelo império do narcotráfico desapareceriam. Como as favelas do Rio de Janeiro, as periferias de São Paulo, chegando hoje já a cidades médias do País. É um Estado paralelo e isso também desapareceria. Outra conseqüência boa é que a corrupção diminuiria. O poder de corrupção do narcotráfico é avassalador, a atividade movimenta bilhões. Eles possuem um alto poder de corrupção no aparelho policial, prisional e no Judiciário. A corrupção também diminuiria porque as outras atividades ilícitas não têm grande poder, não lidam com tanto dinheiro. Assaltos a bancos, seqüestros, são coisas pontuais, mais facilmente reprimíveis. Mas o narcotráfico não. O narcotraficante dá R$ 10 mil a um policial que ganha mil reais, e isso é fichinha para ele.
O POVO - Temos um sistema de saúde ineficiente, despreparado, no tratamento a dependentes químicos. Como o senhor avalia esse sistema e qual o impacto de uma possível legalização das drogas sobre ele?
Jefferson Peres - O sistema de saúde brasileiro já é extremamente deficiente. Hospitais superlotados, filas nos corredores, tudo isso. E a proibição das drogas agrava mais essa situação. Os hospitais ficam lotados com os homicídios. UTIs e emergências lotadas com as vítimas do narcotráfico. Não temos estatísticas, mas quantas pessoas chegam baleadas às emergências dos hospitais? E não há clínicas especializadas, praticamente são fruto de ONGs (Organizações Não Governamentais). Se fosse legalizado, o poder público criaria em cada cidade, a partir de tantos mil habitantes, uma clínica especializada no tratamento da dependência química. Teria uma rede hospitalar mantida pelo consumo de drogas. Seria um dinheiro oriundo da produção e comercialização das drogas. Não são os consumidores, mas os que abusam do consumo de drogas que precisam do tratamento.
O POVO - Como se dá a participação do Judiciário e das polícias junto ao narcotráfico? Como é a relação entre instituições do Estado e esse comércio paralelo?
Jefferson Peres - Tudo isso é subterrâneo. Grande parte da banda podre da polícia está submissa ao narcotráfico, é um dos corpos do narcotráfico. Ou faz chantagem à sociedade com o narcotráfico. O narcotraficante libera uma certa quantia. A banda podre do aparelho policial tem interesse na proibição porque ganha muito dinheiro com isso. Precisa ter sólida formação moral para resistir a uma coisa dessas. É oferecido (em suborno) um salário cinco, dez vezes maior do que eles têm. Além disso, há a intimidação. Quando um narcotraficante não consegue a cooperação da autoridade pelo suborno consegue pela intimidação. Diz que conhece a família da autoridade e que pode matá-la. Vamos supor que você (jornalista) está fazendo uma reportagem sobre o narcotráfico. Aí o traficante diz que você mora na rua tal, número tal, tem dois filhos e que tome cuidado com eles. Dificilmente você continuaria com essa reportagem.
O POVO - A discussão sobre a legalização das drogas praticamente ainda não existe no Brasil. De que forma essa legalização poderia ser feita no País e como se preparar para isso?
Jefferson Peres - Antes deixe eu acrescentar uma coisa. Hoje, as drogas são um problema que só têm alto custo financeiro. Quanto custa a política repressiva? Juntando operações policiais, presídios novos, manutenção dos presos nas penitenciárias, número de processos judiciais, há um custo altíssimo. Só despesas na repressão ao narcotráfico. E a receita gerada é zero. Se você legaliza, e se realmente a legalização leva à extinção do narcotráfico, o custo da repressão passa a inexistir. Cobra-se ainda um imposto. A produção e comercialização de entorpecentes vai provocar uma receita para os cofres públicos. Devia, a meu ver, ser uma receita vinculada, destinada toda ela, integralmente, para duas coisas: campanhas educativas massivas contra as drogas, tanto nos meios de comunicação como nas escolas. E segundo, instalação e manutenção de clínicas de tratamento de dependentes. Hoje isso não existe. Outra coisa, legalizar é uma coisa, estimular é outra. Deve ficar bem claro que consumir drogas é uma coisa maléfica. Quem quiser consuma, mas não é bom consumir. Além das campanhas educativas contra, seria totalmente proibida qualquer publicidade de drogas por qualquer meio. O comércio venderia sem anunciar isso.
O POVO - Quais as perspectivas para essas medidas serem adotadas no Brasil?
Jefferson Peres - Eu não apresento um projeto porque, além de não ter chance de ser aprovado, eu não gostaria que o Brasil legalizasse as drogas sozinho. Isso criaria o pior dos mundos para nós. Traria dois fluxos indesejáveis. Um fluxo de drogas para fora. Produziríamos legalmente e (a droga) seria contrabandeada para outros países. Então, o Brasil seria um grande centro exportador de drogas, inclusive gerando reação de outros países. Em segundo, geraria um fluxo contrário, de narcoturismo. Os dependentes de drogas de outros países viriam para consumir drogas legalmente aqui, sem problemas com a polícia. Eu condeno as drogas, defendo a legalização, mas isso dependeria de uma convenção internacional. Como existe a Convenção Internacional do Fumo. teria que ser uma convenção internacional assinada por vários países do mundo e tendo o Brasil como signatário. Pelo menos 40 assinaturas, na ONU (Organizações das Nações Unidas), OMS (Organização Mundial de Saúde), aí sim. Poderia-se suspender o problema chamado narcotráfico.
O POVO - Enquanto a legalização não se torna uma perspectiva próxima para o Brasil, como trabalhar esse tema?
Jefferson Peres - Primeiro, abrir o debate. Para que as pessoas compreendam que quem defende a legalização das drogas está defendendo a sociedade. Está de certa forma combatendo o consumo de drogas. O governo ficaria com recursos abundantes para fazer campanhas educativas e para a saúde de dependentes. A legalização é contra as drogas. Podem estar certo que se houvesse lobby no Congresso contra a legalização seria feito pelos traficantes.
O POVO - Após três discursos defendendo a legalização das drogas, como o senhor passou a ser visto pelos colegas e pela sociedade? E sua família, seus três filhos e mulher, o que acharam dessa postura?
Jefferson Peres - Eles concordam comigo, acham que é uma tese racional. A única maneira racional, possível de acabar com o narcotráfico. Em nenhum país do mundo se conseguiu acabar com o narcotráfico. E o que o Brasil, um país relativamente pobre, pode sonhar (com a atual política de repressão)? O que nós poderíamos conseguir? No máximo, o que os Estados Unidos (EUA) conseguiram: fazer com que o narcotráfico não desafiasse a autoridade. Você não vê nos Estados Unidos narcotraficantes metralhando prefeitura, fechando ruas, sendo donos de bairros. Isso eles não fazem porque o poder do estado é terrível, até por uma condição melhor de sociedade. Mas o máximo que nós conseguiríamos fazer é isso. Nos EUA, narcotráfico existe em grande volume, é um rio subterrâneo. No Brasil é um esgoto a céu aberto que exala mau cheiro e desafia a autoridade. Mas se os Estados Unidos com o FBI, polícia de melhor qualidade, guarda costeira, FDA e um aparato que não podemos sonhar, está assim...O que eles conseguiram? Cobrir o esgoto, mas é o país onde mais se consome drogas. Portanto, se alguém pensa que o Brasil vai acabar com o narcotráfico, essa pessoa é um pobre ingênuo sonhador. Ninguém consegue. É a lei de mercado. E quanto maior a repressão, mais se eleva o preço da droga. O risco eleva o preço.
O POVO - Que países o senhor acredita que estão mais abertos a essa discussão?
Jefferson Peres - Os europeus, como Holanda e Suíça.
O POVO - A política anti-drogas, principalmente na América Latina, é uma herança dos Estados Unidos. Visto que a partir da guerra com o narcotráfico os EUA conseguem manter posições, intervir em outros países, como na Colômbia. Será que eles teriam interesse em acabar com o narcotráfico? Qual a participação dos Estados Unidos nesse cenário que se construiu hoje?
Jefferson Peres - Os Estados Unidos têm uma espécie de paranóia. Hoje eles têm paranóia em relação ao terrorismo e em relação a drogas. Lá também é tabu. Se discute o tema porque a sociedade americana é muito livre, as instituições muito sólidas. Mas jamais legalizarão as drogas. Herança do puritanismo muito disseminado na sociedade norte-americana. Como o narcotráfico faz parte da paranóia americana, isso também dá pretexto aos Estados Unidos para intervir, por exemplo, na Colômbia. Ao mesmo tempo, o narcotráfico alimenta guerrilhas como na Colômbia e terrorismo como no extremo oriente. Dizem que no Afeganistão os talibãs eram sustentados pelos narcotraficantes. Então, o narcotráfico também dá pretexto para intervir nas fronteiras do Brasil. E se a coisa se agravar na Colômbia, acho que não hesitariam em intervir. A legalização das drogas por muitos países também reduziria esse risco de intervenção norte-americana. É claro que se for só um país a legalizar, os EUA poderiam até intervir, mas 40 países signatários de um consenso internacional no âmbito da ONU, faria com que os EUA ficassem restritos ao seu território.
O POVO - O senhor falou dos países europeus como os mais abertos para a questão. Há alguma experiência em outro país que o senhor destacaria e que poderia servir de exemplo para o Brasil?
Jefferson Peres - Há experiências na Holanda e na Suíça, países que liberaram parcialmente as drogas. Mas não acho que seja uma boa experiência. Em Zurique, por exemplo, na Suíça, liberaram algumas praças, mas é um espetáculo deprimente. Eu presenciei isso: um monte de gente... uns fumando maconha, outros cheirando. Acho que um espetáculo triste. Se fosse uma legalização geral, quem quiser que compre a droga e vá consumir em casa. Só um local para consumir droga, não me parece certo. Eu defendo a legalização mesmo. Da mesma forma como se compra álcool, que também geram bêbados, alcoólatras, cirrose hepática.
O POVO - O senhor fala que não deveria haver de forma alguma propaganda de drogas. Já houve avanços sobre a propaganda de tabaco, destilados, mas as cervejas, principalmente, ainda conseguem se manter fortes na mídia. Na sua avaliação, por que isso acontece?
Jefferson Peres - Quando o Senado votou a proibição da publicidade de fumo, eu tentei através de uma emenda estender a proibição às bebidas alcoólicas. Mas houve reação e não encontrei receptividade porque o lobby delas é muito forte. Elas (as cervejas) são grandes anunciantes.
O POVO - Como a sociedade percebe o usuário de drogas lícitas e ilícitas hoje?
Jefferson Peres - É uma visão equivocada. Pensa-se que todo consumidor de drogas é um marginal ou suicida, que está destruindo sua vida. E não é assim. Acontece no mundo das drogas ilícitas o mesmo que no mundo das bebidas alcoólicas (lícitas). Há pessoas que não consomem álcool de jeito nenhum. Meus filhos, por exemplo, não querem, têm horror a álcool. Outros consomem álcool socialmente e não sofrem nada. O consumo moderado. Eu tomo uma taça de vinho do Porto todos os dias, até porque é bom para as coronárias e isso não me afeta em nada. E existem os dependentes que se tornam alcoólatras. Digamos que 50% dos brasileiros hoje sejam consumidores de bebidas alcoólicas. Quantos são dependentes? Um número muito pequeno. Vocês devem conhecer pessoas que bebem cerveja, vinho e até cachaça e não são alcoólatras. Já os que abusam do álcool sofrem. E no mundo das drogas é assim. Há pessoas que consomem e que nós não sabemos. O comportamento delas não se altera, não prejudica nem sua saúde. Há pessoas que consomem maconha, outros um pouco de cocaína como estimulante, mas vocês nem sabem que consomem. Talvez sejam os seus colegas de trabalho, seus parentes...E não acontece nada com eles, porque esse é o consumo moderado, eles têm autocontrole. Mas existe os que abusam, se tornam violentos como os bêbados, batem na mulher e nos filhos ou morrem. O que aparece na imprensa? A imprensa não noticia as cem mil pessoas de uma cidade que consomem drogas, mas noticia os 20 que morrem de overdose ou matam. E o que passa para a sociedade? Pensam que todo consumidor de drogas é assim, um maldito, sujeito que não tem controle, com crises. Isso causa um horror. E não é! São assim só os que abusam das drogas.
O POVO - Há um projeto no Senado que alteraria a legislação sobre o consumo de drogas, voltado para a descriminalização do usuário. Qual a avaliação do senhor sobre esse projeto, que avanços ou retrocessos pode trazer e como está o clima no senado para discuti-lo?
Jefferson Peres - Ainda não foi discutido porque está nas mãos de um senador (Magno Malta, PL/ES) que até hoje não pediu audiências públicas para o debate, nem emitiu parecer. Eu não vou sair por aí pedindo a legalização das drogas, nem vou apresentar projetos porque acho que o Brasil não deve sair sozinho nessa iniciativa. Eu não faço apologia às drogas. Agora, deixar de dizer isso com medo de perder votos... Eu perco votos, perco mandato mas não vou deixar de dizer isso.
O POVO - O senhor diz que não está querendo levantar o tema como uma bandeira...
Jefferson Peres - Mas o que vão pensar? Mesmo se estou pregando o desemprego aos narcotraficantes, vão ficar pensando que eu estou à serviço deles. A coisa é tão absurda que vão pensar isso. Vão dizer: ele deve estar pegando uma ponta...
O POVO - Qual sua avaliação da política do Governo Lula sobre a questão das drogas? Avançou nessa discussão sobre o problema?
Jefferson Peres - Avançou não. É a mesma coisa. Nenhum governo, ou melhor, 99% dos políticos não ousam discutir esse assunto. Até os que acham que realmente é racional legalizar. Por causa do tabu, da reação social tão veemente, eles não querem perder voto. Eu não sei se isso vai me custar o próximo mandato, mas paciência, eu não nasci senador...
O POVO - Qual a avaliação do senhor sobre as campanhas atuais contras as drogas? Servem para reduzir o consumo?
Jefferson Peres - São inúteis. Até porque, em muitos adolescentes existe a tentação do proibido. É proibido, talvez seja bom. Principalmente porque são os adultos caretas que dizem isso.
O POVO - Qual a posição do senhor sobre Justiça Terapêutica, a obrigatoriedade de tratamento clínico como pena alternativa a quem for preso por usar drogas?
Jefferson Peres - Sou contra. Sou contra o serviço militar obrigatório, contra o voto obrigatório. Não me agrada a coação de espécie alguma, ter que fazer alguma coisa obrigado. Se eu pudesse obrigar todo mundo a amar, aí eu obrigaria. Faria duas leis: todo mundo tem que ser honesto e todo mundo tem que amar.
O POVO - Como as instituições da nossa sociedade, os meios de comunicação, escola, família poderiam fomentar o debate em torno da questão das drogas?
Jefferson Peres - Esse papel caberia principalmente aos meios de comunicação e às casas legislativas. Seria muito bom que Senado, Câmara, assembléias legislativas e câmaras municipais promovessem audiências publicas para discutir isso. E os meios de comunicação, por sua vez, dariam ampla cobertura ao debate. Quando a sociedade começar a debater, deixar de ser tabu, pessoas compreenderem que a legalização das drogas não é nenhum absurdo, vai se discutir com menos ''emocionalismo'' e mais racionalidade. Assim, considero que seja uma solução racional. Se a maioria, através do debate, ouvidos não apenas políticos, mas especialistas, médicos, educadores...chegasse à conclusão que a legalização não seria uma boa coisa, paciência. Mas se teria tomado uma decisão democrática e de reflexão serena.
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